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sábado, 6 de abril de 2013

Estreia: Animação viaja na história do Brasil em ritmo pop

Seis anos de trabalho foram consumidos na pesquisa e realização da sofisticada animação brasileira "Uma história de amor e fúria", em que o premiado roteirista Luiz Bolognesi dá continuidade a um ótimo trabalho, conduzido em parceria com sua mulher, a diretora Laís Bodansky, na criação de histórias com foco no público jovem, como "Bicho de sete cabeças" (2000) e "As melhores coisas do mundo" (2010).
Desta vez, Bolognesi assina sozinho o roteiro e a direção e conta com a preciosa adesão de três dos mais consagrados atores brasileiros para dublar as vozes dos protagonistas de uma saga que percorre seis séculos da história do Brasil: Selton Mello, Camila Pitanga e Rodrigo Santoro. Desde o início, deixa-se de lado qualquer ranço didático, recorrendo a uma pegada pop, de história em quadrinhos, para contar as aventuras de Abeguar (voz de Selton Mello). Guerreiro tupinambá que foi escolhido pelos deuses para tornar-se imortal, ele tornou-se capaz de transformar-se em pássaro e renascer em diversas épocas para sustentar uma eterna luta contra Anhangá -- divindade que é a senhora das sombras na mitologia indígena.
Adota-se aqui uma visão da história nacional que coloca em primeiro plano seus movimentos contestadores, levando em conta o ponto de vista de setores que, mesmo derrotados pela ordem vigente, impregnaram a cultura do país, como os indígenas, escravos africanos, estudantes e militantes políticos dos anos 1960 e 1970.
Mudando de identidade mas mantendo intacta sua essência libertária, Abeguar, no período colonial, é um dos raros sobreviventes de um massacre promovido pelos portugueses. Sua grande paixão é Janaína (voz de Camila Pitanga).
Dando um salto de 200 anos à frente no tempo, o guerreiro reaparece, agora como um sitiante negro, no Maranhão de 1825, reencontrando Janaína transformada em outra mulher, num período abalado por rebeliões de escravos, barbaramente reprimidas.
Outros 130 anos se passam, e os dois ressurgem no Rio de Janeiro, em 1968, como estudantes que aderem à guerrilha contra a ditadura militar, enfrentando a repressão e a tortura. Tempos depois, no Rio dos anos 1980, alguns dos ex-guerrilheiros se transformam em ativistas sociais em favelas assoladas pelo tráfico de drogas e a violência policial.
O último segmento é no futuro, em 2096, quando o Rio tornou-se uma cidade segura, defendida por milícias particulares -- no entanto, também um lugar em que a água, escassa, é uma mercadoria caríssima, vendida a peso de ouro pela estatal Aquabrás. Mais uma vez, o casal integra um grupo de opositores ao sistema autoritário.
Além da grande liberdade da narrativa nestas passagens de tempo, por se tratar de uma animação, é visível que o roteiro dedicou grande cuidado ao delineamento dos personagens. A atuação, por sua vez, ganhou muito com a decisão de os atores interpretarem todo o texto previamente em estúdio, o que serviu como guia para balizar toda a produção.
Por problemas de agenda, eles não puderam estar juntos, mas atuaram ouvindo as vozes uns dos outros. Rodrigo Santoro faz dois personagens: o cacique Piatã, do primeiro segmento, e um dos guerrilheiros, na parte de 1968/1980.
No aspecto visual, usou-se técnica tradicional, desenhando-se os personagens no papel, imprimindo um grande realismo nos detalhes, como na manutenção da nudez dos índios no período colonial. No áudio, os atores também gravaram trechos no idioma indígena original, o tupi.
A fotografia, de Anna Caiado e Daniel Greco, e a montagem de Helena Maura garantiram uma extraordinária fluência de imagens, que são embaladas por uma criativa trilha roqueira, assinada por Rica Amabis e Tejo Damasceno (do coletivo Instituto) e Pupillo.
Trailer:

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