Cenas censuradas de filmes com beijos e danças sensuais foram exibidas
recentemente pela primeira vez em Nova Délhi e acenderam o debate em
torno do que é admissível de ser projetado nas telas indianas. A Índia
mais conservadora e a mais liberal se chocaram na conferência "Sexo,
nudez, dança, o beijo e o retrato da mulher", do Festival Cut-Uncut, que
permitiu um recorrido pela história dos beijos e da mulher no cinema
indiano.
Uma questão sensível após o estupro e morte de uma estudante em Nova
Délhi em dezembro do ano passado, que despertou um debate sem
precedentes sobre a situação da mulher na Índia.
Pankaja Thakur, presidente da Comissão Central de Certidão
Cinematográfica (CBFC), organismo que regula os conteúdos audiovisuais,
defendeu no debate posterior à projeção a necessidade de cortar as cenas
"inapropriadas". "Não somos um grupo de funcionários felizes com
tesouras cortando cenas, mas somos muito sensíveis aos interesses das
mulheres", declarou.
A crítica de cinema e membro da CBFC, Shubhra Gupta, acrescentou que "a
censura tenta proteger a sensibilidade das pessoas". Bollywood foi
apontado como um dos culpados da violência contra as mulheres no país
asiático, por apresentar a mulher como um objeto, segundo os críticos, e
alguns setores pediram que fossem mais rígidos os cortes de cenas mais
fortes.
Porém, a polêmica produtora Ekta Kapoor defendeu seu direito à
liberdade artística. "Se nossos filmes te ofendem, não os veja. É uma
democracia", alegou Ekta, que acrescentou: "Não nos peçam às mulheres
que nos tapemos e escondamos. Mudem essa mentalidade".
O diretor Luv Ranjan, de "Akaash Vani" e "Pyaar Ka Punchnama",
despertou os aplausos do público mais liberal com suas provocadoras
intervenções. "Posso ser o pervertido que eu quiser enquanto não
prejudicar ninguém", afirmou o cineasta, que completou: "Dizer que há
estupros por causa das danças em filmes é uma grande piada".
A indústria do cinema indiano, a maior do mundo e conhecida como
Bollywood, completou 100 anos no último dia 3 de maio, aniversário do
filme "Rei Harishchandra", dirigido por Dadasaheb Phalke. Hoje a
indústria indiana produz cerca de mil filmes ao ano e vende quase três
bilhões de entradas anuais, relativamente indiferente aos encantos de
Hollywood, que alcançou apenas 6,8% da arrecadação local em 2011.
Bollywood, a maior paixão indiana junto com o críquete, é um reflexo da
sociedade do país asiático, com a censura hoje presente inclusive nas
produções estrangeiras, das quais são apagadas cenas sensuais e se
substituem insultos por assobios.
Shubhra Gupta explicou que a censura começou na época colonial
britânica e então se tratava o espectador como uma "criança vulnerável".
Até os anos 1940 se mostravam beijos nas telas indianas, mas, após a
independência em 1947 e a criação do CBFC em 1952, as autoridades
decidiram que as imagens de beijos não "pertenciam à cultura da Índia".
Passariam décadas antes que os beijos retornassem aos filmes do país do
Kama Sutra e até os anos 90 estes eram representados com imagens de
duas flores ou dois cisnes se aproximando. O beijo de Aamir Khan e
Karisma Kapoor sob a chuva e entre relâmpagos e trovões no filme "Racha
Hindustani" em 1996 devolveu certa respeitabilidade ao ósculo em
Bollywood, o que permitiu uma relativa liberalização que se acentuou na
atualidade.
A tensão entre os cineastas e o CBFC é inevitável e as consequências
econômicas de não obter um certificado para todos os públicos exclui a
possibilidade de exibir um filme na televisão e pode afundar uma
produção. Além disso, alguns setores de uma sociedade que se transforma
rapidamente pedem mais liberdade e que se deixe de tratar o espectador
como "crianças vulneráveis".
"As violações são cometidas por doentes, não pelos filmes", argumentou
um jovem estudante do público do festival. "Por que o governo é quem tem
que decidir o que posso ver ou não?", questionou outro universitário.
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